terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Reforma ortográfica, uma questão: para quê?


Foto: Renata Ludwig

Bem, acho que ainda não escrevi aqui o meu amor pela língua portuguesa. Entretanto, sou absolutamente apaixonada pela língua de Camões e Machado de Assis. Quando criança colocava minhas bonecas sentadas em cadeirinhas e com um quadro-negro ia brincar de "tia", ensinando-as os verbos e os pronomes demonstrativos. O futuro se anunciava. Tanto é assim, que cursei a Faculdade de Letras e logo após uma especialização em Português. Também fui professora de Português para Estrangeiros durante 3 anos, exercendo a profissão até mesmo fora do país, na França.
Isso tudo, para falar que não sou apenas "mais uma palpiteira" dando pitacos em um assunto que desconheço, mas que tenho uma opinião formada a respeito. Pelo contrário, tenho uma formação sólida e embora esteja afastada da área de educação, continuo lendo, me atualizando e estudando. Portanto, acho que o que vou postar aqui, será com propriedade de causa.
Sempre adorei o trabalho de divulgar entre estrangeiros a nossa variedade lingüística e acredito, sinceramente, que é na diversidade que mora a beleza e a poesia de uma língua. Ela, a língua, é um código social estabelecido por uma dada sociedade com o único objetivo de nos fazer comunicar com o outro e nos fornecer uma sensação de conforto, de que pertencemos a algo, a uma cultura e a uma comunidade. Então, é natural que a língua tenha regras e que nos dê esse sentido de nação, de coletivo. Somos brasileiros. Mas não somos só brasileiros. Somos descendentes de europeus, índios e africanos, moramos em um país solar e com dimensões continentais, temos influências culturais diversas e falamos Português. Fomos colonizados pelos portugueses.
Novidade? Não. Só que a língua que falamos está intrínsecamente ligada a nossa identidade. Não falamos Brasileiro. Brasileiro seria uma língua própria que os outros falantes de Português não conseguiriam entender. Falamos é Português do Brasil. E, é com o Português do Brasil que nos comunicamos com os portugueses, os africanos falantes de Português e pronto. Temos a nossa diversidade lingüística como eles têm a deles e somos felizes assim, com nossas particularidades, nossas peculiaridades. Isso nada tem a ver com conservadorismo lingüístico. Pelo contrário, é um viva a diferença!
A reforma ortográfica é uma tentativa inicial de padronizar a língua, de colocar mais amarras e de acabar com a poesia e beleza das variedades lingüísticas. Li um artigo na Folha de S. Paulo, onde o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, dizia que não fazia sentido redigir documentos em entidades internacionais com a grafia do Brasil e de Portugal. Realmente, não faz sentido para eles terem um duplo trabalho. Só que, para mim, brasileira, faz total sentido ter um documento com vocabulário e grafia próprios da minha variedade da língua.
Vi também uma reportagem de uma editora dizendo que, agora, não íamos dever nada a qualquer literatura de outra nacionalidade. Besteira. Temos Camões, Machado, Pessoa, Drummond, Saramago, Mia Couto, lembram-se? Não consta, pelo menos para essa que vos escreve, que eles deixem a desejar a qualquer outra literatura.
Outro fator importante, é que língua é poder. Sim, isso mesmo. Quem detém a sabedoria de manipulá-la de forma exemplar consegue galgar vários patamares sociais. Quem não, é vítima de discriminação social. Fato, então, a reforma ortográfica é muito mais um ato político que verdadeiramente lingüístico.
Bem, sou uma profissional da língua, sei que terei que me adequar às novas regras. Mas, quer um consolo? A língua é um órgão vivo. Sempre foi e sempre será. Graças a esse pequeno segredo, que originaram-se do Latim, o Português, o Francês, o Espanhol, o Italiano. Ela extrapola todos os limites! Há esperanças!

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